No próximo domingo (31), é celebrado o Dia da Reforma Protestante. É comum, nesta data, que sejam lembradas as 95 teses do monge Martinho Lutero em Wittenberg, mas o movimento tem um antes e continuidade depois da ação de Lutero.
Neste RTM Explica, a Rádio Trans Mundial pediu ao pastor e professor João Paulo Gouvêa que explicasse a contribuição dos principais reformadores ao movimento que defendia mudanças significativas na forma litúrgica e de vivência religiosa pregadas pela Igreja Católica Apostólica Romana. Confira a seguir.
John Wycliffe (1328-1384)
A Reforma não aconteceu em uma ação de um dia, com regras definidas em um encontro à beira de uma mesa. “A gente fala sobre as cinco solas como se elas tivessem sido criadas repentinamente. Na verdade, houve um processo de muitos anos”, comentou.
O primeiro passo foi dado por um teólogo chamado John Wycliffe (há uma organização mundial batizada com este nome que trabalha com a tradução da Bíblia para diferentes idiomas e línguas). “Ele foi o grande precursor daquilo que viria a ser o movimento reformista. No começo, não se buscava uma ruptura, mas de trocar as coisas, de promover mudanças. Isso acabou acontecendo bem posteriormente. Wycliffe foi um dos primeiros a denunciar corrupções sacerdotais. Ele também foi precursor de ideias que, mais tarde, Lutero defenderia com veemência como, por exemplo, a salvação pela fé”, acrescentou JP.
Para a atualidade, a ideia propagada por Wycliffe parece até óbvia, mas é importante lembrarmos que ele defendia esta tese da salvação pela fé no século 14, em meio à forte cultura da venda das indulgências (pagamento pelo perdão espiritual, uma prática realizada pela Igreja Católica antes da Reforma). Esta temática voltou à tona com força depois com Lutero, quase dois séculos depois.
Martinho Lutero (1483 – 1546)
Foi o principal expoente da Reforma. Ele vislumbrou o processo detalhado pelo apóstolo Paulo em Romanos 1, de salvação pela fé e não mediante a obras. “Interessante observar que ele foi tão radical neste sentido que rejeitou a epístola de Tiago, que ele chamava de ‘epístola de palha’ porque dizia que dela não podia se aproveitar nada. Para ele, Tiago confrontava a teologia paulina sobre salvação por fé, já que Tiago diz que a ‘fé sem obras é morta’ (2.26)”, disse JP.
É preciso ressaltar, contudo, que o grande foco do debate de Lutero com a igreja cristã daquela época (católica) era com relação às indulgências e da simonia. Em resumo, o clero da época “realizava” o perdão dos pecados mediante pagamentos financeiros (indulgências) e a venda de favores e bênçãos espirituais, objetos e espaços no céu como sendo sagrados (simonia). Tipos de coisas que eram vendidas: Fios de cabelo que a igreja dizia serem de Jesus; espada apontada como a tendo sido usada por Pedro no ato da prisão de Jesus etc.
Ulrico Zuínglio (1484 – 1531)
Foi contemporâneo de Lutero e de Filipe Melâncton. Zuínglio teve um grande atrito com Lutero no que a gente chama de Colóquio de Marburgo. “Eles romperam. Havia uma grande diferença no entendimento da Ceia por parte deles em relação da ubiquidade (fato de estar presente em todos os lugares / elementos) de Jesus na Ceia. Lutero rejeita a transubstanciação (transformar uma substância em outra. Ou seja, vinho em sangue / sangue em vinho) e traz a ideia de consubstanciação (União de Cristo e de Deus presente nos elementos da Ceia). Eles divergem bastante neste sentido”, apontou Gouvêa.
Apesar de Zuínglio não ter provocado mudanças dentro da estrutura da Igreja Católica, ele tem importância neste contexto porque ele traz à tona a discussão a respeito do casamento dos sacerdotes. Para ele, de acordo com JP, esta era a única forma de controlar os pecados sexuais que eventualmente eram descobertos pelo clero. “Ele chegou a pedir isso, o que não aconteceu necessariamente na Igreja Católica, mas, nas igrejas aparecidas após a Reforma, isso já aconteceu. Esta é uma grande contribuição de Zuínglio que muitos não sabem”, acrescentou.
Filipe Melâncton (1497-1560)
O sobrenome Melâncton, em alemão, quer dizer “terra preta”. Ele era conhecido e chamado como Filipe Terra Preta. Alguns estudiosos acreditam que o pensamento “somente a escritura”, um dos cinco solas, foi desenvolvido, de fato, por Filipe. “Lutero depois abraça e trabalha com esta ideia no seu desenvolvimento teológico, mas quem começa com o processo de entender que as escrituras são superiores à tradição parece que foi Filipe”, disse.
Filipe não chegou a ser ordenado sacerdote, como Lutero era. A sua visão, adotada por muitas igrejas de linha reformada e bem recebida entre os tradicionais – sobretudo os batistas – é a do sacerdócio universal do crente. “Este pensamento diz o seguinte: não é sacerdote apenas quem foi ungido pela denominação / igreja, mas todos os crentes chamados e vocacionados como sacerdotes. Quem dá esse pensamento e trabalha de forma robusta teologicamente foi Melâncton”, comentou.
A principal contribuição dele, portanto, foi a de mostrar que todos os crentes salvos – não apenas os ungidos para a função sacerdotal – são sacerdotes de Deus.
João Calvino (1509-1564)
João Calvino foi um dos principais nomes da Reforma. Ele traz destaque para o debate a respeito da predestinação. “Nesta visão, a fé em Jesus não é um caminho para a salvação, mas que o próprio Cristo, como segunda pessoa da Trindade, já predestinou algumas pessoas à salvação. Não existe um caminho ou um processo. Neste caso, ou a gente é salvo ou a gente não é salvo. Foi algo até radical, mas que deu embasamento para o nosso pensamento contemporâneo de salvação pela única e exclusiva vontade de Deus”, explicou Gouvêa.
Este pensamento é desdobramento de processos muito anteriores ao próprio Calvino já trabalhados no século 11, por exemplo. Um dos pontos é o monergismo e sinergismo. No primeiro, a salvação é exclusivamente um ato divino, enquanto que no segundo aspecto há alguma participação humana neste processo como, por exemplo, ter fé.
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Por Lucas Meloni.